Sapatos Novos

A história que vou contar passou-se há algum tempo.
Num tempo  em que o que se passava num determinado momento era abalroado pelo acontecimento seguinte.
A sensação era a de que as situações eram carruagens de um comboio, que de repente a locomotiva parou, fazendo as carruagens descarrilar, causando uma linha ondulante de vagões sobrepostos em cima de duas finas linhas paralelas que representavam a linha normal do tempo.
Qual era, e é esta pressa? Não sei, mas por agora vou só contar o que se passou.
Jeremias tinha um comboio para apanhar, era esperado na última estação. Esperavam-no.
E esperaram.
Jeremias não apanhou o comboio, não se sabe bem porquê, nem ele sabe porquê, mas não queria ir, queria estar, queria sentir as horas, os minutos, os segundos, os instantes.
Não queria correr, saltar partes da história.
Queria viver a história, saboreá-la, amá-la, escrevê-la, ser o personagem principal, o narrador.
Mas não tinha tempo, e por isso tinha que ser "o" irresponsável, quebrar expectativas, mas só assim poderia fugir ao descarrilamento.
Ao não entrar no comboio, Jeremias foi a pé, voltou a ter tempo, viu, sentiu, falou com outros que como ele tinham escolhido viver e não fazer parte do grande desastre que é tentar respirar debaixo de água, de um mar de obrigações, compromissos, opiniões e expectativas.
O Jeremias gosta de andar a pé, só isso, de andar a pé.

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